16 maio 2010

O que é feito da infância?


Trocaram o baloiço de pneu pelo computador. As brincadeiras na rua pelas conversas ao telemóvel.

As crianças de hoje parecem afastadas dos propósitos da infância. Devemos preocupar-nos? Ao sábado de manhã, João, 4 anos, tem o seu ritual bem estudado. Acorda sozinho, dirige-se à sala, liga o DVD, coloca o seu filme preferido no aparelho, acende a televisão e senta-se confortavelmente no sofá. Quando o leitor de DVD chegou a casa, foi a irmã, Ana, 11 anos, que o ligou à televisão e sintonizou o respectivo canal, mesmo antes que os pais descobrissem as instruções em português.

Situações iguais ou semelhantes a estas surpreendem-nos todos os dias. As crianças de hoje parecem dotadas de capacidades que antes não estavam, supostamente, relacionadas com a infância e, ao mesmo tempo, parece que perderam outras que sempre estiveram associadas aos mais novos. As novas tecnologias, os ritmos loucos do dia-a-dia, o acesso fácil a todo o tipo de informação, o excesso de consumo, o medo provocado pela alegada insegurança nas ruas. Todas estas transformações no mundo actual têm, obviamente, influência sobre as crianças. E é habitual ouvir pais, educadores e responsáveis a desabafarem entre suspiros: «As crianças estão a crescer depressa de mais!» Não é essa, no entanto, a opinião da pedopsiquiatra Ana Vasconcelos: «As crianças não estão a crescer depressa de mais. Estão a crescer em conformidade com a vida que os pais têm. O bicho homem tem a capacidade de se adaptar e é isso que está a acontecer.»

Para Ana Vasconcelos, «a infância não está assim tão diferente do que era, se tivermos em conta as características do nosso mundo, que são muito peculiares». Uma dessas características é a massificação. «Os miúdos que hoje me aparecem nas consultas são crianças para quem a massificação não resulta. Neste momento, generalizam-se demasiado as coisas e acaba-se com a individualidade de cada um.» Ana Vasconcelos sugere, por isso, que os «pais questionem mais as suas situações» e, sobretudo, que não generalizem. «É preciso que cuidem do seu jardim, antes de olharem para o do vizinho. Os pais não têm assim tantos filhos que precisem de generalizar. Podem, em vez disso, partir do individual para o geral.» «As crianças nascem sempre preparadas da mesma maneira e, se há uma área que está em défice, elas tendem a procurar o equilíbrio dessa área», afirma Joana Fernandes, assessora do primeiro ciclo do ensino básico.

Num mundo dominado por muita tecnologia e inúmeras solicitações, onde poderão as crianças procurar o equilíbrio? «Tenho notado uma predisposição e uma abertura das crianças pequenas para uma linguagem mais simbólica», refere a professora, destacando a receptividade para o desenvolvimento da componente espiritual e do sentido da vida. «E isto não tem nada a ver com religiões, tem simplesmente a ver com aquilo que é a natureza e com os ritmos naturais», explica. O paradoxo é que num ambiente com tantas solicitações e controlo, as ausências também são muitas. Na opinião de Joana Fernandes, os adultos estão ausentes para além da ausência física:
«Aquilo que toda a criança precisa, em qualquer época, é de referências claras, sejam elas quais forem. Para isso, o adulto tem de fazer o exercício da sua autoridade e daquilo que representa, para que se constituam referências», afirma, sublinhando: «As crianças precisam de saber quem é o adulto.»

Texto de Patrícia Lamúrias/Revista Pais & Filhos

1 comentário:

  1. eu brinquei na rua, assim como a minha filha de 2 anos brinca na rua e vai continuar, nem que para isso tenha de deixar os meus hobbys...

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