05 novembro 2004

Lágrima



Lágrima
Encontraram-se um dia, uma lágrima, uma estrela, uma pérola e uma gota
de orvalho. Falou primeiro a estrela:
Quem diria que eu tivesse o trabalho de descer das alturas luminosas, para vir conversar com vocês três?
Não sabem que sou mais alta que as nuvens?
E que a minha altivez fulgura entre mil chamas radiosas, na infinita
amplidão?
Mas, respondeu a pérola vaidosa: - Quem te dará valor, entre milhões de
lâmpadas no espaço?
Tu não passas de um grão de esplendor, metido na poeira do infinito.
Ninguém se lembra de te por nos braços! Enquanto eu, lá no fundo dos
oceanos, sou buscada e vendida aos soberanos, para enfeitar, com minha
limpidez, as coroas dos reis! Vivo no colo esplêndido dos nobres, e nos ricos
seios das rainhas...
Não como ti, que sob o olhar dos pobres poetas vagabundos te
encaminhas...
Valho mais que tu! E ainda mais valho que um orvalho e uma lágrima, pois
ambos são gotas d'água, sem o mínimo valor.
Disse o orvalho, com mágoa: Qual de vocês três, tem esse encanto de se
transformar em gozo, na boca imaculada de uma flor?
Eu venho lá de cima, radiante, nos braços da alvorada, cobrir de beijos uma
rosa, que se sente tão doce nesse instante, que vale a pena vê-la tão ditosa!
E trago o riso ao coração da Terra, engolfada em pranto.
Eis como sou feliz! Na campina, ou no cimo da serra, sou sempre uma
esperança cristalina, nos lábios sorridentes de uma flor! Calou-se o orvalho.
E a lágrima? Coitada, esta nada dizia...
E que respondes tu? Perguntaram os demais.
E ela, rolada na terra húmida e fria, nada ousava falar...
Porém, sublime e calma, respondeu: Eu sou o perdão no crime e a vibração
no amor!
Bailo no olhar risonho da alegria, moro no olhar tristíssimo da dor! Eu sou a
alma da saudade e da harmonia!
Sou o estrilo na lira soluçante dos poetas, sou oração no peito dos ascetas,
sou relíquia de mãe em coração de filho, sou lembrança de filho em coração
de mãe!
Não vivo nos seios perfumados, nos colos orgulhosos, na ostentação
efémera do luxo...
Porém, penetro no espírito do mundo, seja do rei, do sábio mais profundo,
do rústico mais vil... do pecador, do santo, até na face do Senhor um dia já
rolei...
Eu, lágrima pequena, penetrei no coração de Deus, e fiz estremecer, abrir-se extasiado o pórtico dos céus!
Não sei quantos pecados já lavei! A lágrima calou-se humildemente,
deslumbrando...
Em silêncio, a tudo contemplou serenamente, na vastidão vazia...
A estrela se ocultou atrás de uma nuvem e chorava...
A pérola desceu à profundeza dos mares e chorava também...
O orvalho tremulando sobre a relva também chorava...
E a lágrima, só a lágrima sorria!...

Autor Desconhecido

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