03 março 2005

Infidelidade

(Por: Maria Conceição Oliveira, Psicóloga)

Há tempos tive uma discussão com um grupo de amigos. Uns achavam que os homens eram mais infiéis do que as mulheres e outros, entre os quais eu, achávamos que isso é uma grande parvoíce...."

Esta afirmação é não racional e não mensurável! Diria tratar-se de um mito que traduz apenas a verdade de certas percepções que continuam ainda a existir. Desta forma, trata-se de uma opinião e não de uma realidade!

A frase “Os homens são mais infiéis do que as mulheres” reflecte o paternalismo que condiciona a vida da mulher, tão conveniente ao parceiro masculino. Surge em contraposição com o privilégio do aventureirismo masculino, sempre custoso e doloroso à parte feminina.

“Os homens são mais infiéis do que as mulheres” funciona como uma espécie de entrave apolíneo imposto para mascarar os impulsos da noite dionisíaca e perpetuar a crença na mulher “bem comportada”, asséptica e de boas maneiras...

Sabemos que essa mulher já saiu de cena!

Também há quem diga, "Não percebo porque é que certas mulheres que sabem serem enganadas pelos seus maridos preferem continuar com eles e não pedem o divórcio..."

A grande diferença no caso de infidelidade com consentimento não é que o cônjuge enganado saiba, é que o outro esteja ao corrente.

Esta conveniência matrimonial é tácita repousando, geralmente, no princípio da reciprocidade. Pode ser fruto da cobardia ou da passividade, bem como de um estoicismo sofisticado, ou desejo de salvaguardar uma aparente dignidade.

Também não podemos esquecer que o casamento traz certas vantagens e daí ter que ser dissociado de ideias abstractas e fúteis tais como o amor ou a paixão. Assim, o casamento funciona como um “emprego” que permite pagar ao fim do mês o infantário, a empregada, as prestações do carro e, enfim, o acesso a um sono tranquilo.

Os homens só querem sexo, sexo e mais sexo?
Se os homens só querem sexo e mais sexo, o que é que poderão querer as mulheres?

Amor? Sem dúvida que sim!
As mulheres querem amor mas este amor não funcionará, ele próprio, como uma espécie de desculpa para negar o papel integrante que o sexo tem nos relacionamentos da mulher?

E esta negação não é, em si mesma, um sintoma que traduz o quanto não sabemos sobre a sexualidade das mulheres?

Pior, muito pior... Apesar das mudanças que se têm verificado, poderá esta afirmação ser o reflexo da resistência profunda, do tabu existente contra as mulheres sexualmente contentes, as que têm sexo para seu próprio prazer?

Faria sentido as mulheres, libertadas pelos contraceptivos do seu imperativo biológico, não aproveitarem essa sua nova liberdade?

Será que a sexualidade feminina incomoda?
Os homens e as mulheres estão longe de serem iguais nas questões da infidelidade. Acho que não se pode fugir a uma questão que depende do biológico, do hormonal.

Em matéria de infidelidade, as diferenças existentes entre os dois sexos são condicionadas pela interacção dinâmica entre a natureza e a cultura. Se nos colocarmos neste vértice poderemos dizer que há diferenças entre homens e mulheres e que elas são qualitativas, não quantitativas.

Vejamos algumas:

A hormona “erótica” é a testosterona! O homem e a mulher produzem esta hormona, embora o homem tenha dez vezes mais testosterona do que a mulher. Mas este facto não faz com que o homem seja dez vezes mais infiel do que a mulher.

A herança do pecado cometido no Jardim de Éden faz com que o homem só em parte controle a sua erecção. Pelo contrário, nunca se sabe se uma mulher está ou não realmente excitada.

Mesmo quando casados, muitos homens pensam que são livres. Mesmo que sejam solteiras, muitas mulheres consideram-se ligadas a um homem. Ainda perseguidas e maculadas pelo discurso cultural, as mulheres preferem não falar da sua sexualidade mantendo-a guardada no silêncio do segredo.

A infidelidade pode ter um preço bem alto para a mulher – o seu casamento, o estatuto social, a custódia dos filhos ou orçamento para os sustentar.

O contexto cultural continua a empurrar deliberadamente o homem para a infidelidade, campo eleito para demonstrações de virilidade. E ele continua a escudar-se nesta pressão cultural até porque os “custos directos” desta infidelidade são bem menores.

Na infidelidade, homens e mulheres são vítimas do desejo. Desejo nunca satisfeito e nunca conformado com a hostilidade e a angústia inerente à condição humana. Desejo que teima em voltar ao par narcísico inicial – mãe e criança, um único ser.

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