06 julho 2006

O Nada


(imagem de X. Maia)


Sentei-me no chão , apaguei a luz e rodeei-me dos nadas que preenchem , diariamente , a vida de cada um.
Saltitantes , à minha volta , os nadas estavam contentes por poderem conversar comigo.
Pressenti que seria uma longa e interessante conversa. Realmente ,é apaixonante tentarmos pesquisar o nada em toda a sua essência plena de uma carga emotiva e psicológica que tenta , dia após dia , arrasar o indivíduo. Talvez o nada seja o desconhecido , o perplexo , a fronteira entre o sonho e a realidade , o possível e o impossível , talvez seja a única cambiante existente , talvez seja aquilo que toda a gente deseja.
O nada é doce , implacável , irresistível e atrai ferozmente para o abismo. A inspiração solta-se. É horrível a sensação de abandono. A loucura apodera-se de tudo.
O nada é o tempo , o espaço , aquilo que não fomos , aquilo que sonhámos , o irreal , o inatingível , o caminho palpável , a quimera irrealizável. Ser tudo e nada...
Já Protágoras dizia :« O homem é a medida de todas as coisas» . Talvez tivesse razão e talvez não. O homem pode ser um dos nadas que povoam o nosso planeta.
Talvez o nada esteja no empirismo. Talvez o espírito « tábua rasa » de Locke que se opõe à teoria das ideias inatas de Descartes, afirmando que o nosso espírito é inicialmente uma tábua rasa ou papel branco , onde nenhuma ideia está escrita antes de ser impressioNADA pelos sentidos , seja o princípio do « nada ».
Mas , se passarmos por Platão que diz: « conhecer é recordar , embora nunca se atinja a recordação total dos objectos porque estes são imperfeitos ou simples sombras dos objectos reais » ,talvez aqui o «nada» seja realmente importante ou talvez eu não queira dizer nada com o que escrevi até aqui.
Mas quem sabe se encontraremos um nada hereditário no comportamento actual do homem enquanto ser humano pensante.
Quem me diz a mim que a frustração actual do homem não é resultante dum nada conflituoso ao nível duma motivação individual (instintos e hábitos) e duma motivação social , nem sempre concreta e aceitável segundo as regras vigentes e caducas de cada sociedade.
Talvez o nada seja o passo de cada dia , repetido a cada hora. A solidão de um olhar suspenso em cada fantasma que nos rodeia. O nada pode ser um viajante do tempo , um retardado da vida no seu caminho errante.
O nada pode estar numas mãos brancas e impávidas , trémulas , inquietas , que incrédulas limpam uma lágrima e estão vazias e cheias de nada, nada que se encontra à sua volta.
Talvez tudo isto não seja nada, uma simples ilusão óptica , duma esferográfica que risca o papel branco e imaculado.
Nada pode ser nada e nada pode ser tudo...depende de cada um preencher os pequenos nadas que compõem a sua vida.
E já António Gedeão dizia:
«Eles não sabem , nem sonham,
que o sonho comanda a vida;
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança» .
Que o nada seja sonho , cor , fantasia. Tudo aquilo que se desejar , que o nada não seja só nada , sem nada mais para dizer.

angelis


2 comentários:

  1. "Nada" é importante. Não pelo que contém mas pelo que o podemos preencher. É importante existir "nada" para podermos sonhar.
    Deveriamos preencher todos os nadas da nossa vida com sonhos... concretizáveis.
    Mas depois acabavam-se os nadas... e os sonhos?
    Aquele abraço.

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  2. E por falar em Nada...já tens o livro do GNM, "Nada em 53 vezes"? A não perder....foi uma das minhas leituras de férias e adorei. ;)

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