25 junho 2004

Da solidão completa



Os jornalistas já terminaram as entrevistas, os editores tomaram o trem de volta para Zurich, os amigos com quem jantei voltaram para suas casas; eu saio para caminhar por Genebra.
A noite está particularmente agradável, as ruas desertas, os bares e restaurantes cheios de vida, tudo parece absolutamente calmo, em ordem, bonito, e de repente... E de repente eu me dou conta que estou absolutamente só.
É evidente que já estive sozinho muitas vezes este ano.
É evidente que em algum lugar, a duas horas de voo, minha mulher me espera.
É evidente que depois de um dia agitado como o de hoje, nada melhor que caminhar pelas ruelas e becos da cidade antiga, sem ter que conversar nada com ninguém, apenas contemplando a beleza ao meu redor.
Só que esta noite, por alguma razão que desconheço, este sentimento de solidão é absolutamente opressor, angustiante – não tenho com quem dividir a cidade, o passeio, os comentários que gostaria de fazer.
Claro, tenho um celular no bolso e um número razoável de amigos aqui, mas acho que já é muito tarde para telefonar para quem quer que seja.
Considero a possibilidade de entrar em um dos bares, pedir algo para beber – com quase toda certeza alguém me reconhecerá e me convidará para sentar em sua mesa.
Mas penso também que é importante ir até o fundo deste vazio, desta sensação que ninguém se importa com o fato de existirmos ou não, e por isso continuo caminhando. Vejo uma fonte e lembro-me que estive ali no ano passado, com uma pintora russa que acabara de ilustrar um texto que havia escrito para Amnistia Internacional; naquele dia quase não trocamos palavra, apenas escutamos os pingos da água e a música de um violino que vinha de longe.
Tanto eu como a pintora russa estávamos imersos em nossos pensamentos, mas ambos sabíamos que, embora distantes, não estávamos sozinhos.
Ando um pouco mais, em direcção à Catedral. Olho para outro lado da rua, uma janela está semiaberta e lá dentro posso ver uma família conversando; a sensação de solidão aumenta avassaladoramente por causa disso, o passeio nocturno agora é uma jornada noite a dentro, em busca de compreender o que é sentir-se absolutamente só.
Começo a imaginar quantos milhões de pessoas neste momento estão se sentindo absolutamente inúteis, miseráveis - por mais ricas, charmosas, encantadoras que sejam - porque também nesta noite estão sós, e ontem também, e possivelmente estarão sozinhas amanhã. Estudantes que não encontraram com quem sair esta noite, pessoas de idade diante da TV como se fosse a última salvação, homens de negócios em seus quartos de hotel, pensando se o que fazem tem algum sentido, já que tudo que estão sentindo agora é o desespero de estar só.
Lembro-me de um comentário feito durante o jantar: alguém que acabara de divorciar-se dizia "agora tenho toda a liberdade com que sempre sonhei."
É mentira.
Ninguém quer este tipo de liberdade, todos nós queremos um compromisso, uma pessoa para estar ao nosso lado vendo as belezas de Genebra, discutindo as visões da vida, ou até mesmo dividindo um sanduíche.
Melhor comer metade de um que come-lo inteiro, sem ter alguém com quem compartilhar nada, nem mesmo um pouco de comida.
Melhor ficar com fome do que ficar sozinho.
Porque quando você está sozinho - e eu falo da solidão que não escolhemos, mas que somos obrigados a aceitar - é como se não fizesse mais parte da raça humana.
Começo a caminhar para o lindo hotel do outro lado do rio, com seu quarto super confortável, seus empregados atenciosos, seu serviço de primeiríssima qualidade.
Daqui a pouco vou dormir e amanhã esta estranha sensação que - não sei por que razão - me atacou hoje, será apenas uma lembrança remota e estranha, porque não terei nenhum motivo para dizer: estou só.
No caminho de volta, cruzo com outras pessoas solitárias; elas tem dois tipos de olhares: arrogantes (porque querem fingir que escolheram a solidão nesta linda noite) ou tristes (porque entendem que não há nada pior na vida).
Penso em conversar com elas, mas sei que têm vergonha da própria solidão.
Talvez seja melhor que cheguem ao limite e então entendam que é preciso ousar, falar com estranhos, descobrir lugares para encontrar pessoas, evitar ir para casa e assistir TV ou ler um livro – porque se fizerem isso o sentido da vida estará perdido, a solidão terá se transformado em um vício, e a partir de então o longo caminho de volta em direcção ao ser humano já não será mais encontrado.

(Paulo Coelho)

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